sábado, junho 14, 2008

Ponte do Bethout

Caros Leitores.

Atendendo pedidos de leitores, iremos publicar uma série de “Devaneios”, em um total de sete matérias. Porém, para que possamos fazê-lo, teremos que publicar antes, dois Pontos de Vista, intitulados, Ponte do Bethout e Preconceito.

Tal fato se dá, por citarmos nomes de pessoas que estarão sendo citados também nos devaneios. Estas matérias foram escritas e publicadas em 2000 e 2001. São histórias de nossa vivência em Araguari, e, que relatam acontecimentos deveras importantes e trazem à tona, ilustres personagens.
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Então vamos lá, vamos a publicação do primeiro, cujo título está acima.
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Dias atrás, encontramo-nos com nosso amigo, ex-colega de serviço, no tempo da extinta Cia. Prada de Eletricidade, e posteriormente CEMIG, Jair Batista Soares, e o mesmo após ter comentado ler sempre nossos Pontos de Vista, solicitou-nos que escrevesse-mos alguma coisa da Ponte do Bethout, sobre o Rio Paranaíba, lá em Anhanguera.
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Confessamos, foi para nós, um retorno no tempo e no espaço, que talvez até ele não saiba de quanto nós conhecemos aquela ponte.
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Hoje somente os pilares, pois a mesma foi vendida como sucata de ferragens para um empresário do ramo em Araguari, e diga-se de passagem, ele só pôde retirá-la há pouco tempo, com a baixa da represa.
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As chuvas não estão sendo suficientes para enchê-las e torna-las produtivas, como dantes, estando nós, correndo o risco de com tantas hidroelétricas que inundaram Araguari, tornando-a propriamente dito uma ilha, não darem conta de produzirem a indispensável energia elétrica, e nós termos que, como antigamente no tempo da Prada, de enfrentarmos racionamentos de energia.
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Racionamentos para suprir as necessidades de todo Brasil. Haja vista, a interligação de toda rede elétrica das usinas existentes em território nacional e conveniado com território estrangeiro.
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Mas vamos lá, caro Jair, belos tempos nós vivemos juntos, trabalhando com escassez de materiais, de mão de obras, transportes e vários outros elementos de primeira necessidade.
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Empresas particulares que exploravam serviços públicos enfrentavam junto ao governo, e hoje, após serem do governo, querem eles, privatizar novamente, passando-as por leilões, para as mãos de particulares, que na verdade são grupos estrangeiros.
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Devagar o Brasil vai passando para as mãos dos estrangeiros. Telecomunicações, redes bancárias, indústrias várias e agora produção, transmissão e distribuição de energia elétrica.
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Mas, como dissemos, vamos voltar para meados de 1948, quando a extinta Cia. Prada de Eletricidade, adquiriu a chamada Zona Goiás, que era composta por Anhanguera, Cumari, Goiandira, Catalão, Ouvidor e Três Ranchos.
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Nosso pai, Julio Erbetta, era o homem de frente da Prada. Toda nova região que ela adquiria, lá ia ele, com a família que ia crescendo no decorrer dos tempos, para assumir, implantar e produzir energia elétrica nas quatro cidades que não possuíam o então desenvolvimento. A região era considerada verdadeiro sertão ainda em exploração.
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Nos lembramos bem, tínhamos 5 anos e meio, quando nosso pai prestava serviços para a Prada lá em Porto Ferreira, estado de São Paulo, cidade esta logo ali, a 400 quilômetros daqui, adiante de Ribeirão Preto, 5 horas de viagem tranqüila de carro nos dias de hoje. Naquela época, 1948, era uma verdadeira jornada fazer tal trajeto, nada de asfalto, nada de linhas de “jardineiras”.
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Era na base da ferrovia, da extinta Cia. Mogiana, até chegar em Araguari, pousar em pensões que haviam nos arredores da estação, e, no dia seguinte, pegar a “jardineira” do Julinho, que morava na Rua Olímpio dos Santos.
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e Foto ilustrativa
Com ela, o trânsito era até as margens do Rio Paranaíba, passando por Amanhece, Serra da Bocaina, naquela estrada que ainda existe e muito serve a todos até hoje, para chegar-mos no pé da ponte inacabada, no local chamado no lado de Goiás, de Engenheiro Bethout, motivo pelo qual a ponte ganhou este nome. Era o engenheiro que a construiu, ficando a mesma famosa e inesquecível, mesmo após sua demolição.
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Lá estava ela, inacabada porém majestosa, aos olhos de criança que éramos, um verdadeiro espetáculo se desenrolava pela frente, mas não oferecia condições para a “jardineira” passar, e nem outros veículos, somente o trem de ferro transitava por ela.
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Não tinha ainda os pranchões em seu piso, fazendo o assoalho para o trânsito de veículos. Não tinha corrimão em suas laterais, estava como disse, inacabada, mas já dava para quebrar o galho e encurtar a viagem, pois de carro se não fosse por ali, teríamos que ir pelo chamado Porto do Lalau (nada tem a ver com o Juiz), que ficava onde hoje encontra-se a majestosa usina de Emborcação.
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Era o local mais estreito do Rio Paranaíba, e colocaram lá uma balsa para o transporte de veículos. Nossa mudança foi por lá.
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Dois caminhões Chevrolet 1938, da Cia. Prada. Um era de Araguari (muitos se lembram dele) e o outro de Uberlândia. O de Araguari era dirigido pelo senhor João Belém, sogro do Albacir Matos de Menezes, e o de Uberlândia era dirigido pelo senhor Joaquim (não nos lembramos do sobrenome) que foi o primeiro ganhador da loleria esportiva quando de sua implantação. Ambos de saudosas memórias. Era uma aventura, e o caminhão dirigido pelo senhor Joaquim, ao sair da balsa, deslizou e caiu dentro do rio. Não houve vítimas, graças a Deus, mas grandes danos materiais.
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Naquela balsa, perdeu a vida o então gerente da Cia. Prada em Araguari, engenheiro alemão, Paulo Meyer Muller. Ele foi Capitão da 1ª Guerra Mundial. Homem sofrido, pois perdeu toda a família na guerra, vindo abrigar-se no Brasil, onde colocou-se na Prada e veio para Araguari.
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Existem várias histórias sobre ele, qualquer momento escreveremos a respeito dele. Seu nome está perpetuado em uma de nossas ruas. Fez muito por Araguari
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Como disse acima, a ponte ainda não tinha os pranchões para o trânsito de veículos, mas dava passagem à composição férrea. Entre os trilhos da estrada de ferro, sobre a ponte, já haviam instalado os pranchões para o trânsito de pedestres, porém com grande risco na travessia, sem qualquer segurança nas laterais, um piso em falso e estaríamos despencando lá de cima para dentro do rio.
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Então como faziam ? Como nosso pai iria fazer ? O negócio era seguir em frente. Os passageiros da “jardineira” na maioria ficava ali por Anhanguera, ou Cumari, poucos iam até Catalão, considerado fim do mundo lá pela região de São Paulo, pelos dirigentes da Prada, que quando designaram o destino de nosso Pai para lá, chegaram a dar-lhe até arma de fogo.
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Mas como atravessamos a Ponte do Bethout ?
Como fomos parar do lado de lá, lado de Goiás, onde um carro de praça, nos lembramos bem, Ford 1946, grená, o único existente em Catalão, estava esperando por nós sob encomenda da própria Cia. Prada. O que hoje é considerado aventura para praticantes de esportes radicais, na época era necessidade. Ou se fazia, ou ficava para trás. Como diz o Walmir Brasileiro, grande filósofo conforme o Alessi, “quem vai, vai, não vai fica”, e nosso pai tocou para frente.
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Pegou nossa irmã caçula Luiza Maria (falecida) no colo, deu a mão para nós, segurando firme, enquanto que o motorista do carro que nos esperava, deu a mão segurando firme minha irmã Yone, e nossa Mãe, segurou firme a mão da nossa irmã Cida, e lá fomos nós, juntamente com os outros passageiros, sem olhar para baixo, sem conversar, com todo cuidado possível, pé ante pé, até rezando, vencendo metro por metro a longa e perigosa travessia, até chegarmos ilesos a salvos do lado de Goiás.
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Fomos todos recebidos pelos presentes com uma salva de palmas (faziam isto a todos e todos os dias) pelo arrojo e coragem da grande aventura da travessia daquela que viria a servir durante longos e longos anos ao povo goiano, povo mineiro, aos brasileiros em geral.
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A Ponte do Bethout foi concluída. Ficou uma maravilha. Sua inauguração marcou época. Por ela passavam composições férreas vindas de São Paulo, chegavam em Anhanguera, encontravam-se com a Rede Mineira de Viação, que ligava a Belo Horizonte, indo para Goiânia, via Ipameri, Pires do Rio, Leopoldo Bulhões, Anápolis, tendo seu ponto final em Goiânia.
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Quanto progresso levou a vários locais de Goiás, Pará (Tocantins), norte e nordeste em geral, e vice versa, quanto levou para o sul do Brasil. Como nosso país é grande. Quanto já desenvolveu e quanto tem para desenvolver.
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Mas depois dessa epopéia de atravessarmos a ponte, tocamos para Catalão, e lá chegando, fomos recebidos com festa. Era a Cia. Prada de Eletricidade que estava chegando para levar a energia elétrica para aqueles rincões, e o maravilho povo de Catalão, nos recebeu de braços abertos.
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Foguetes, churrascos, bailes e tudo mais para demonstrar carinho e apreço. Lembramo-nos bem da figura de um homem, ficou gravada em nossa memória pelo que fez na época e pelo que nos tornamos posteriormente. Estamos falando do saudoso senhor João Evangelista da Rocha.
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Fazendeiro em Catalão e região. Residiu e terminou seus dias em Araguari. Ma lá em sua terra, arregaçou as mangas da camisa e foi junto de nosso pai, e os demais homens que ele arregimentou, limpar o canal que levava água par o pequeno gerador que existia em Catalão e que estava paralisado há anos.
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Tivemos a honra de em 1975, vir a tornar-nos irmãos de Ordem Maçônica deste ilustre Senhor. Rendemo-lhes homenagens. Limparam tudo, lubrificaram o gerador e em uma semana lá estava ela, a energia elétrica de volta à cidade. Toda iluminada a noite, precariamente mas estava. Um poste aqui, outro ali e assim por diante. Mas tudo isto é história que iremos contar em outro Ponto de Vista que planejamos escrever sobre a Cia. Prada.
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Caros Leitores, deixem-nos frisar: nossa família foi tão bem recebida em Catalão, fez tantas amizades que são conservadas até hoje, quanto fez e adquiriu nesta abençoada terra de Araguari. Terra que adotou-nos e nela temos o jazigo da família, que guarda os restos mortais de nossos Pais e de nossa irmã caçula.
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Aqui conhecemos nossa esposa, aqui constituímos família, aqui criamos nossos filhos, aqui irão ficar nossos restos mortais quando chegar a hora de nossa partida. Nossa família ama esta terra.
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Voltemos à ponte novamente, caro Jair, e lógico caros Leitores. Quando começamos a escrever, nos perdemos no tempo. Ficamos divagando no espaço, trazendo à mente coisas que aconteceram e são de gratas recordações. Nos perdoem se os cansamos, mas nos faz um bem tremendo narrar histórias que nos revigoram.
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A bela e prestativa ponte, após ter cumprido com sua missão, teve um fim trágico. Foi tragada pelas águas represadas de Furnas. Daquela monstruosidade metálica que era, só ficaram à vista, as travessas de sustentação da estrutura metálica.
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Tornou-se triste e até assustador deparar-se com aquele quadro. Era impressionante. Um gigante inteiro submerso, inerte e inútil após tanta serventia, tanta utilidade. Estava morta e sepultada nas águas do Paranaíba. Cremos que até o rio ficou triste. O Rio Paranaíba chorou a perda da Ponte do Bethout.
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Veio um longo período de estiagem, as águas baixaram o nível, por mais que chovia a represa não conseguia absorver água suficiente para retomar a ser o que era. Reservatório cheio não veremos tão cedo. As outras represas se encontram na mesma situação.
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Vejam a Ponte Quinca Mariano, vejam a ponte do Rio Corumbá. Terreno seco. A velha ponte de cimento fora d’água que a cobriu por longos anos. E nesta estiagem, o empresário que adquiriu a estrutura metálica da Ponte do Bethout, fez o que tinha de fazer.
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Retirou toda a ferragem da ponte. Ela já não existe mais. Só ficaram de pé seus pilares de concreto que a sustentavam.
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Tornou-se triste, macabro vê-la assim. Mas lá está ela, ou melhor sua armação, e como disse o Jair Batista Soares, se não tivessem vendido sua ferragem, se tivessem previsto um período tão longo de seca, se tivessem previsto o reaparecimento da velha ponte, ela estaria agora prestando os mesmos relevantes serviços que prestou durante longos e longos anos.
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Brilhantemente estaria o estado de Minas Gerais, ligado ao estado de Goiás, através da Ponte do Bethout.
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Brilhantemente estaria o Sul ligado ao Norte do País, via férrea e via rodoviária, pois a majestosa ponte era rodo ferroviária, e como a de Delta, que luta bravamente para sobreviver, ligando São Paulo a Minas, Sul com norte, estaria sendo até cultuada, dado a tecnologia usada de quando sua construção.
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Chorar leite derramado não leva a nada. Neste caso leva. Leva e muito. Tanto que leva que trouxe à memória um tema sugerido pelo nosso amigo Jair Batista Soares, para que redigíssemos um Ponto de Vista sobre o assunto, e pudemos ver através dele, que muitas das vezes, soluções outras podem ser tomadas.
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Se não houver precipitações, muitos aborrecimentos podem ser evitados. A construção de uma barragem após outra, no mesmo rio, acabam levando um esvaziamento de água quando de uma estiagem .
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Difícil de ser controlado, e os reservatórios de água mudam por completo a configuração do tempo. Chove quando não é para chover. Vem a seca quando não é para vir, e assim por diante. Sempre com a interferência da mão do homem.
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Já temos aí mais duas represas, e no mesmo rio. Capim Branco I e I I. Vejamos o que vai acontecer.
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Está aí caro amigo Jair e caros Leitores. Fizemos a narrativa mais uma vez daquilo que vivemos. Tentamos transmitir o que sentimos, e confessamos a vocês, nos sentimos bem com isto.
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Gostamos de fazer isto. Falar de Araguari e região. É viver tudo de novo. O passado no presente, nos dando forças para o futuro.
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Mais uma vez dizemos e repetimos, é muito bom para quem escreve, submeter suas matérias à apreciação pública e ter como retorno o incentivo dos leitores que se manifestam junto ao autor.
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Sinceramente, ficamos sensibilizados, emocionados, envaidecidos de estar levando um pouco de leitura agradável para vocês.
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Muito obrigado a todos, que Deus em sua infinita sabedoria, derrame suas bênçãos sobre todos.
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Encerramos assim mais um Ponto de Vista, esperando ser mais uma vez, pelo menos interessante para todos.
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Era o que tínhamos.
Que Deus nos abençoe.
Um abraço.
http://www.estacoesferroviarias.com.br/efgoiaz/engbethout.htm

2 comentários:

Aristeu disse...

Amigo Peron,

Esta sua narrativa, pitoresca e heróica, ainda acontece nos dias de hoje. Apesar da tecnologia avançada, o acesso a pontos da natureza ainda são cobertos de aventura. Medições topográficas para fins de determinação de cotas no terreno ou de implantação de pilares são revestidas de coragem e inteligência aguçada. Estive trabalhando na implantação da Usina de Irapé, no Vale do Jequitinhonha, onde se baseia toda esta minha tese. Pra você ter uma idéia, como o próprio nome diz, só se chegava ao ponto das montanhas alterosas mineiras da barragem a pé. Nem mesmo a utilização de helicópteros facilitava os trabalhos. Algum ou outro desmiolado utilizaria-se de rapéis para vencer tais óbices.
O contato com as populações ribeirinhas também foi algo muito enriquecedor, pois eram comunidades isoladas em pleno século 21, verdadeiros aborígenes, no sentido do afastamento sócio-cultural. A meu ponto de vista foi um erro irreparável retirá-los do habitat e acantoná-los na periferia de uma urbe qualquer pertencente a outro tempo. Sem falar nas indenizações precárias estipuladas pela CEMIG.
Recentemente estive entrevistando o titã Jorge Yunes, em Araguaina-TO, a respeito da construção da Belém-Brasília, onde o mesmo participara intensamente de tal obra e também da construção de Brasília. Tal depoimento estará estampado, em breve, na obra do Dr Ronaldo Costa Couto, com um pré-título referente à vida do Engenheiro Bernardo Sayão. Jorge Yunes, então seu braço direito, conta hoje com 84 anos e ainda em atividade plena profissional, na área de mecânica de motores, terraplenagem e invenções diversas.
Verdadeiros Bandeirantes ainda resistem e suas histórias estão estampadas simplesmente nos relatos de uma vida dura no desenrolar do progresso.
Seu pai, como outros, pertence à estirpe daqueles que não sabiam que estavam sendo partícipes de obras faraônicas que ainda hoje são revestidas de mistérios sem fim.

Aristeu

Ponto de Vista disse...

Amigo Aristeu. Obrigado por tão belo e enriquecedor comentário sobre nossa matéria. Sua vida é repleta de aventuras, que para tais, torna-se necessário a coragem e determinação que possui. Receba nosso abraço e gratidão. Parabéns por suas atividades. Peron Erbetta.